Gestão de resíduo sólido na indústria têxtil: upcycling e reciclagem5 min read
A indústria da moda e têxtil é o terceiro setor mais poluente do mundo. No cenário brasileiro, os dados sobre resíduos têxteis são preocupantes. Um relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) de 2022 revelou que o Brasil descarta 4 milhões de toneladas de resíduos da produção por ano. São dados significativos e que merecem a nossa atenção, não só como indústria produtora, mas também como consumidores.
Por definição, resíduo é tudo aquilo que não é aproveitado. É sobra, resto. Na indústria têxtil é todo material que não possui mais utilidade após determinado processo de produção. Por exemplo, na Camisa da Latinha, empresa em que atuo há mais de dez anos no segmento têxtil, a produção atual gera dois tipos de resíduos sólidos industriais: os retalhos, que são gerados no setor de corte e costura; e o papel sublimático, gerado no setor de serigrafia.
A Lei no 12.305/10 determina que cada gerador é responsável pelos seus resíduos. Ou seja, existe uma norma de responsabilidade que impõe a cada empresa adotar um conjunto de ações ambientalmente adequadas para minimizar os efeitos adversos dos seus resíduos. Porém, a dinâmica prática da gestão de resíduos é muito mais dificultosa do que se imagina, pois além de demandar tempo e logística, é um processo burocrático e custoso.
Talvez essa não seja uma dificuldade enfrentada pelas grandes indústrias, que possuem capital e margem de produto para poder contratar uma empresa ou funcionário que realize a gestão completa do seu “lixo” gerado. Porém, sem dúvidas, não é a realidade das pequenas e médias indústrias, que se veem muitas vezes sem suporte, sem conhecimento e meios de fazer cumprir a lei.
Infelizmente, um percentual significativo de empresas ainda não consegue realizar o descarte responsável dos seus resíduos, panorama justificado pela falta de conhecimento e de atitude na busca, burocracia, logística, tempo e capital. O resultado é o descarte de sobras têxteis em lixo comum de rua. Sim, isso é o que acontece, principalmente por pequenas confecções formais e informais. Ou seja, retalhos que poderiam ser destinados ao reaproveitamento estão sendo destinados aos lixões em toneladas aumentando não só a poluição direta, mas o efeito estufa.
Estou aqui falando de toneladas de retalhos produzidas anualmente pelas pequenas e médias indústrias, que não possuem capital e informação sobre como realizar o descarte responsável dos seus resíduos, cujo impacto é cada vez mais sentido no meio ambiente.
Decerto existem iniciativas que buscam novas formas de lidar com os resíduos têxteis através de projetos socioambientais, como, por exemplo, o Sustexmoda, desenvolvido por pesquisadores da USP com o objetivo de tornar a moda sustentável. Mas, considerada a dimensão do contexto aqui tratado, essas iniciativas ainda representam repercussão pequena se comparada à quantidade total de sobras têxteis geradas por todas as indústrias do país.
Por isso, a minha intenção aqui é demonstrar como a gestão eficaz do resíduo sólido gerado pode ser feita individualmente, em parceria com indústrias do segmento ou ainda em parceria com projetos já existentes, considerando, claro, a possibilidade e limitação de cada empresário dentro do seu setor atuante.
Ante minha vivência na indústria têxtil e atenta ao momento atual em que muito se fala em sustentabilidade e slow fashion, compartilho como a Camisa da Latinha realiza a gestão dos resíduos sólidos gerados pela sua produção diária. Apesar de ser um tema extenso e muito importante para o setor, me proponho aqui a apenas compartilhar um pouco da minha experiência, no intuito de provocar empresários a buscarem alternativas que convirjam para um processo produtivo mais limpo e com menos impacto ao meio ambiente.
Nós empreendedores e donos de indústria precisamos ter a consciência e responsabilidade de que o trabalho não é apenas ter excelência na apresentação do produto final ao cliente, mas nos esforçar para garantir um processo produtivo limpo e menos agressivo ao meio ambiente. Hoje isso é uma máxima e precisa ser levada a sério, mesmo inexistindo um mercado para absorver esses resíduos, dificuldades logísticas e um sistema frágil e desestruturado.
Quando decidi direcionar todo o resíduo da empresa de forma responsável, precisei pesquisar, entender a dinâmica da gestão e correr atrás para fazer acontecer, pois não é um processo fácil. Até hoje realizo esse movimento através de cadastros de pessoas e cooperativas que praticam a técnica do upcycling através das sobras têxteis.
Atualmente, e compartilho isso como uma vitória, toda sobra têxtil da Camisa da Latinha é doada para pessoas físicas (empresários informais e costureiras) e jurídicas (cooperativas), que transformam retalhos em artesanato imprimindo novas formas como o fuxico, tapetes, colchas, bolsas, estopa. A essa transformação chamamos de upcycling, que em tradução livre significa “reciclagem para cima”, sendo conhecido por alguns como costura criativa. É quando é possível através da criatividade dar um novo propósito a um material que seria descartado, é uma técnica de reaproveitamento, que, inclusive, pode representar uma renda extra para muitas famílias.
Com relação ao papel sublimático gerado pela Camisa da Latinha, que chega a representar anualmente mais de 31 toneladas, 95% são doados para a Cooperativa Bariri de Salvador-Bahia, que faz com excelência a reciclagem de 100% do material, e os demais 5% são doados para empresários informais que utilizam o papel para cobrir e proteger caixas de frutas.
Portanto, conseguimos direcionar os nossos resíduos de forma eficaz através do upcycling de retalhos e da reciclagem de papel: o primeiro, através da transformação da sobra têxtil em produto final; e o segundo através da transformação do papel em matéria prima.
Com esse relato, compartilho aqui um tema muito importante e me coloco à disposição para dialogarmos sobre como podemos ampliar essa consciência e prática para outros empresários. O meio ambiente precisa da nossa atitude.
Nicole Cairo – Diretora de Operações (COO) da Camisa da Latinha