Regeneração fashion: o que rolou na principal semana de moda do Brasil7 min read
Pensar em regeneração é falar de inclusão, de olhar para o outro, transformar e reconstruir toda a cadeia de forma sustentável. Essa foi uma das propostas da 51ª edição do São Paulo Fashion Week. O evento digital também teve o objetivo de mostrar que a moda não é somente sobre roupas e tendências, mas envolve questões de gênero, sociais, econômicas, políticas, raciais, tecnológicas, culturais, artísticas, etc. O evento, realizado na semana passada, contou com a participação de 43 marcas de destaque do setor. Para quem perdeu a semana de moda, ainda dá para assisti-la no site e no canal do YouTube do SPFW.
Para os idealizadores da principal semana fashion do Brasil, a pandemia fez com que as pessoas refletissem e aceitassem novas ideias e pensassem na renegociação e revisão de certezas — e não só no universo da moda.
Nesta proposta de incluir e transformar, esta edição acolheu o Projeto Sankofa, coletivo de estilistas negros e indígenas. É uma iniciativa da plataforma Pretos na Moda e da startup de inovação social VAMO, com apoio do INMOD (Instituto Nacional de Moda e Design). Das 43 marcas que desfilaram, oito são do Projeto Sankofa: Ateliê Mão de Mãe, Az Marias, Meninos Rei, Mile Lab, Naya Violeta, Santa Resistência, Silvério e Ta Estudios.
Naya Violeta, marca estreante do Centro-Oeste, leva o nome da dona, afro empreendedora e diretora-criativa. A partir de um elemento da natureza, o fogo, a estilista criou uma coleção que tem como simbologia a claridade, o se transformar e o estar vivo na situação atual.
“Neste momento histórico e social de extrema dificuldade que estamos vivendo, essa coleção tenta nos ajudar a entender a potência de corpos negros reexistirem e de olhar para estes corpos vivos”, diz Naya Violeta. “A moda é também passarela para importantes questões, um lugar de afirmação e de expressão para a luta antirracista. Além de abordar a ancestralidade”, explica ela.
A marca trabalha com moda slow fashion, e as peças estarão disponíveis na loja virtual a partir deste mês. A coleção é trabalhada em fibras naturais com selo eco verde. “As roupas são produzidas com menor impacto ambiental. Modelagens amplas e a riqueza de babados são traços marcantes da coleção foguete”, diz Naya.
A utilização de elementos da natureza foi uma das tendências trazidas nas passarelas. É o caso da marca Renata Buzzo, que juntou, em um poema, os planetas Júpiter e Saturno, que têm diversos desencontros, por meio de dois personagens. Para criar as diferenças psicológicas e materiais, como figura de linguagem, a estilista usou os quatro elementos da natureza: ar, água, terra e fogo.
Representatividade
Mônica Sampaio trocou, aos 45 anos, a carreira de engenheira eletricista para ser estilista. Ela criou a marca Santa Resistência, que também faz parte do Projeto Sankofa. “Apresentei cinco looks em homenagem à princesa Elizabeth Bagaaya de Toro, de Uganda. Ela serviu como inspiração para criar peças em animal print, alfaiataria e vestidos em shape fluidos.” Não se pode esquecer que a utilização de animal print em peças de roupas e acessórios e sapatos ainda é uma tendência desta estação.
Além disso, Toro traz a representatividade de uma mulher negra, transgressora, à frente do tempo, com várias carreiras e profissões, como advogada, modelo, atriz, diplomata, política e embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU). Ela também colocou o país em frente aos holofotes, porque dizia que a moda poderia promover a cultura africana. Mônica explica que fez uma releitura dos looks mais icônicos usados pela princesa quando ela era top model de sucesso na década de 1960. “Para isso, eu usei crepe, musseline e viscose.”
Amor pelo Cariri
O estilista Ronaldo Fraga abriu o evento com tudo. Em momento tão difícil, a coleção sinaliza resistência amorosa e cultural sobre o Nordeste, tendo o Cariri cearense e o sopé da Chapada do Araripe como ponto central. Ele desfilou roupas feitas em 100% linho, com muitos bordados, muitas estampas e enfatizando o uso de peças coloridas e alegres — o que sinaliza um otimismo.
Beleza do lar
A marca ALUF veio com uma coleção que estava alinhada antes da pandemia da covid-19. Porém, com muitos meses em quarentena e isolados, ficar em casa tornou-se o novo mundo para muitas pessoas. A ideia é mostrar as belezas cotidianas do lar — o tecido que forrava o sofá virou o que estrutura calça, top, vestido e saia. As formas próximas ao corpo trazem uma representação da casa, enquanto, as modelagens amplas proporcionam caimentos únicos. A coleção apresentou punhos bem trabalhados, com pregas e tecido desfiado, que trazem delicadeza e atenção aos detalhes. Também usou tecidos como sarja, algodão texturizado e linho, porque são agradáveis aos olhos e ao toque. A palavra conforto é um dos lemas da moda atualmente.
Ecomoda
“Não é somente roupa, é pertencimento, consciência eco, consciência ancestral e cósmica, é um gênero.” Essa é a ideia da Ta Studios, que une alfaiataria e sustentabilidade. A empresa dá descontos em roupas novas da coleção em troca de peças usadas da marca. A preocupação é com a produção e o destino dos produtos, o chamado Circulare. A sustentabilidade é um tema muito discutido atualmente, e abordar novas práticas pode influenciar outras pessoas. Cada vez mais marcas estão se reestruturando para se tornarem mais ecológicas. Flavia Aranha, SoulBásico, Victor da Justa, Ponto Firme e Weider Silveiro, entre outras, utilizaram tecidos de algodão produzidos de forma responsável e se importando com a sustentabilidade.
Cores em ação
A coleção da Modem Studio foi pensada para a primavera-verão 2022: colorida e cheia de detalhes. Ela traz conforto e versatilidade para o momento pandêmico, além de mostrar uma reinvenção e, reestruturação de modelagens já existentes. As formas são amplas. A cintura bem marcada, os comprimentos mini e as sobreposições de materiais alternam-se entre tecidos leves e estruturados. Também trouxe outra tendência artesanal: o tricô, que é versátil e fácil de ser usado até em dias quentes. A cartela de cores do arco-íris, com nuances de rosa, verde e azul, dialoga com tons terrosos e ressalta os detalhes metalizados no aviamento das peças.
As artesãs e as crocheteiras
O Ateliê Mão de Mãe fez uma coleção para valorizar e expor o quanto são diferenciadas, cuidadosas e exclusivas as peças feitas em crochê, além de representar as mulheres crocheteiras, que vivem dessa arte e profissão. Aborda, também, o amor regional, ao falar de Salvador, e traz a ideia de se orgulhar da cultura, diversidade, representatividade histórica e cultural nacional. A Ponto Firme também enfatizou a técnica do crochê. As peças foram confeccionadas a partir de descarte têxtil com dois pontos principais: o crochê, o protagonista, e a moda que envolve temas importantes, como a sustentabilidade e a reutilização.
Impacto por meio das roupas
A marca Meninos Rei exaltou a ancestralidade africana e fez uma homenagem ao orixá Exu. A coleção trouxe exagero, intensidade, sensualidade e ombros estruturados, que dão ar imponente às peças. Os tecidos africanos são originários da Guiné-Bissau. As estampas fazem um mosaico ainda mais vibrante, com misturas quentes e explosivas. A ideia é resgatar a autoestima e enaltecer a beleza do povo negro pela roupa.
Mentorias
O SPFW+Regeneração vai escolher até 50 projetos para uma jornada de mentorias e encontros sobre moda, transformação sustentável e social, como ter uma visão colaborativa e inclusiva. As inscrições poderão ser feitas até 16 de julho, no site www.spfw.com.br, e as mentorias ocorrerão de julho a outubro. O cadastro funciona em duas etapas: a primeira, você preenche um formulário com nome, e-mail e telefone. Depois, você receberá um e-mail com um link para construir o perfil.
Para ver
Canal do YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCcslL01-bATnBUw6caIRLkw
Instagram: @spfw
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE