Febratex GroupSem categoria Por uma moda mais sustentável12 min read

Por uma moda mais sustentável12 min read

Há tempos a moda é considerada uma das maiores vilãs na batalha por um planeta mais verde. Uma nova geração, porém, dedica-se a criar negócios que eliminam o desperdício, reduzem as emissões de carbono e estimulam o consumo consciente. Conheça alguns desses heróis

Quando o assunto é sustentabilidade, a moda ainda está longe de conseguir resultados aceitáveis. No ranking de vilões do meio ambiente, o setor ocupa o segundo lugar, atrás apenas da indústria petroquímica. A produção de poliéster, fibra sintética mais utilizada no mundo, leva microplásticos em sua composição: somente essas partículas contribuem com 8 milhões de toneladas de resíduos despejados nos oceanos todos os anos, segundo a Nature Climate Change. Estima-se que a cadeia de produção da moda seja responsável globalmente por 10% da emissão de gases de efeito estufa — ou seja, 1,2 bilhão de toneladas de CO2 por ano.

Não é de hoje que as grandes grifes tentam mostrar que estão empenhadas em diminuir seu impacto negativo no planeta. Para algumas marcas, a solução foi investir na compensação de suas emissões de carbono, colaborando indiretamente com organizações ambientalistas. Outras anunciaram sua intenção de produzir peças mais duradouras, para diminuir a velocidade do consumo. Há quem esteja promovendo uma gestão mais sustentável da cadeia produtiva. E os que eliminaram o uso de pele animal em suas peças. Não é o bastante, dizem os especialistas, que apontam os altos preços das roupas “sustentáveis” e o estímulo ao consumo de novas coleções a cada estação como prova de que pouca coisa realmente mudou.

Felizmente, uma nova geração de empreendedores começa a mostrar o real caminho da transformação. Eles investem em materiais tecnológicos ou biodegradáveis, comandam processos de produção mais saudáveis e adotam o princípio da economia circular, com ações que trazem benefícios para o meio ambiente e para as próprias marcas. Atendem assim aos anseios dos millennials e dos integrantes da geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010), mais preocupados em reduzir sua pegada de carbono do que em colecionar roupas de grife.

“A geração Z é a mais consciente da história. 87% dos jovens desse grupo têm uma grande preocupação com o meio ambiente. E são essas pessoas que daqui a pouco terão o poder aquisitivo para consumir moda”, diz Bruna Ortega, especialista em tendências do WGSN, que monitora e identifica os rumos do segmento. Para a consultora, o consumidor de hoje já chega com uma postura slow fashion. “Ele quer consumir menos produtos, com maior durabilidade, fabricados dentro de valores nos quais acredita, sem degradar a natureza”, afirma.

Quem pensa em abrir uma empresa de moda precisa se adequar a esse novo cenário. “Ele deve investir em caminhos para tornar o negócio consciente”, diz Chiara Gadaleta, fundadora do Movimento Ecoera, que integra os mercados de moda, beleza e design com sustentabilidade ambiental, social e econômica. “Para isso, deve se cercar de profissionais que coloquem o planeta em primeiro lugar.” Tão importante quanto criar uma cultura de carbono zero é comunicar essa postura ao consumidor. “Porque, no futuro, ninguém vai comprar uma peça de roupa antes de saber se a empresa protege o meio ambiente.” Conheça a seguir seis empresas que encontraram o caminho da moda sustentável.

Venda circular

Conseguir gerar valor para diferentes players da cadeia produtiva é o trunfo da Repassa, empresa de moda sustentável fundada por Tadeu Almeida, 36 anos, em 2014. Na plataforma criada pelo empreendedor, o cliente que pretende doar roupas usadas faz um cadastro e solicita uma “sacola do bem”, que é entregue na sua casa, mediante uma taxa de R$ 24,99. Depois de recolher a sacola, os funcionários da Repassa fazem a triagem do que pode ser vendido — eles não aceitam itens com defeito, falsificados ou que contenham pele de animais (a não ser couro). Higienizam, fotografam e disponibilizam para a venda.

O valor das peças comercializadas pode ser convertido em um crédito digital para o cliente gastar na plataforma ou com marcas parceiras, como Renner, Malwee e C&A. Ou então pode ser doado para parceiros da Repassa — são mais de 30 instituições. A plataforma é remunerada com uma porcentagem das vendas. Nesse modelo de negócio, todos ganham, inclusive o meio ambiente. Com as transações geradas no ano passado, a Repassa evitou que 97,2 toneladas de roupas fossem parar em aterros sanitários.

Almeida teve a ideia quando trabalhava em uma agência de publicidade. “Estava infeliz com o trabalho. Como sempre tive uma forte ligação com a natureza, pensei em criar algo que ajudasse a preservar o planeta.” Estudando o mercado, percebeu que havia um grande potencial para negócios que trabalhassem com peças de segunda mão.

A partir da proposta de um brechó virtual, ele criou o formato final da Repassa. Desde que foi criada, a empresa cresce três vezes em relação ao ano anterior. Mas a pandemia potencializou ainda mais as transações: em casa, as pessoas tiveram mais tempo de arrumar o guarda-roupa. Cerca de 250 mil peças foram vendidas em 2020; 117 mil foram doadas; mais de R$ 7 milhões foram repassados a quem vendeu por meio da plataforma, e quem comprou fez uma economia de R$ 17 milhões, segundo estimativas da própria empresa.

Mercado em formação

Antes de fundar a Timirim, em 2017, Ninon Daunis, 32 anos, não pensava em empreender. Engenheira ambiental de formação, a francesa veio para o Brasil em 2011 para complementar os estudos na Escola Superior de Agricultura da USP. Depois, foi trabalhar com desenvolvimento rural em comunidades na África. Ao retornar para o Brasil, em 2015, conheceu sua sócia, a também francesa Julie Marin, 35 anos, grávida na época. Juntas, decidiram desenvolver uma marca de roupas infantis que suprisse uma necessidade de muitas mães: a falta de artigos sustentáveis para crianças.

Para colocar o negócio de pé, em 2017, montaram uma rede de fornecedores de algodão orgânico e contrataram os serviços de uma oficina de costura com trabalho transparente. “Naquela época, falava-se pouco de matéria-prima orgânica para roupas de criança. Temos orgulho de dizer que ajudamos a formar o mercado. Para nós, a informação sempre foi um dos pilares da marca”, conta Ninon. Entre as bandeiras da Timirim, está o uso de matéria-prima local e estampas feitas por artistas nacionais. As sócias também querem acabar com a discriminação de gênero. “Nossos produtos são unissex, o que estimula o uso compartilhado por mais crianças da família e a não pressão por gênero.”

Além disso, por ser orgânico, o algodão usado nas peças contribui para a preservação do meio ambiente. “Só no ano passado, cerca de 2 milhões de litros de água foram economizados, porque essa cultura não precisa de irrigação artificial”, diz. “Além disso, uma roupa de algodão orgânico cuida do que é mais precioso: a saúde da criança, uma vez que o tecido é hipoalergênico.” O crescimento das vendas online tem sido constante. “Em 2020, crescemos 45%, apesar da pandemia. E a projeção é de chegar a 40% neste ano”, diz. A perspectiva é que 2021 seja um ano de boas novas para Ninon, mãe de Titouan, de 1 ano e 5 meses, e do bebê que nasce em maio.

Guarda-roupa virtual

E se fosse possível pegar camisas, casacos e calças emprestadas o tempo todo, para não precisar de itens novos? Foi esse o ponto de partida para a criação da WeUse, plataforma de compartilhamento desenvolvida por Carlos Alberto Silva, 34 anos, e lançada em 2018. “Meu irmão Humberto e eu sempre tivemos o hábito de emprestar roupas um para o outro”, afirma. Partiu do irmão o insight de construir um negócio para que as pessoas pudessem fazer isso virtualmente.

Carlos, que já trabalhava com tecnologia, começou imediatamente a modelar uma plataforma, que depois evoluiu para a WeUse. “Somos responsáveis por enviar as roupas para o cliente, pegar de volta, higienizar e disponibilizar as peças novamente”, diz o empreendedor. “Nosso propósito é socioambiental. Queremos provar que você não precisa ter 20 camisas, e assim reduzir o desperdício”, diz. Além disso, evitam o descarte incorreto das peças. “Todas as roupas ficam sob nossa guarda. Quando não estão mais em condições para o aluguel, são doadas.”

São cerca de 2,7 mil opções de roupas, calçados e acessórios. “É uma forma de variar o visual sem precisar comprar. E ainda tem a comodidade de recebê-las higienizadas.” Como a maioria dos assinantes procura roupas para o trabalho, a pandemia teve um impacto negativo sobre o negócio. Mas o plano é voltar a crescer neste ano, com a criação de novos planos e serviços — vender as peças pelas quais o cliente se apaixona, por exemplo. Para isso, contam com os recursos recebidos recentemente do Google Black Founders Fund e também de um reality show televisivo.

Trocas valiosas

Foi em uma mudança de endereço do seu ateliê que a cenógrafa, figurinista e diretora de arte Lu Bueno, 51 anos, de São Paulo (SP), percebeu quanto material tinha acumulado ao longo dos anos — em sua maioria tecidos. “Mesmo doando uma boa quantidade, ainda sobrou um volume absurdo”, diz. Isso acendeu uma luz: por que não criar um local onde interessados pudessem “depositar” o tecido de que não precisam mais, e quem precisasse pudesse comprá-lo?

Assim, depois de se capacitar no Sebrae, Lu Bueno lançou o Banco de Tecido em 2015. Funciona assim: tecelagens e confecções (e também pessoas físicas) depositam a matéria-prima excedente no Banco, que tem uma loja física. Esse material é pesado e gera um crédito, em quilos, que pode ser trocado por outros tecidos deixados ali. Quem nunca depositou também pode comprar sem restrições. Pelo modelo de negócio, o Banco de Tecido fica com 30% do que é depositado. “É vantajoso, na medida em que compramos material por um preço abaixo do mercado, além de recebermos doações de confecções e tecelagens que preferem fazer o descarte de forma sustentável”, afirma Lu.

Aos poucos, o mercado descobriu o serviço e passou a optar pelo reaproveitamento, em vez de incinerar as sobras ou mandá-las para aterros sanitários. Em seis anos de vida, o Banco de Tecido fez circular por volta de 30 mil toneladas de material que seria descartado. No ano passado, o negócio sofreu com a covid-19, pois havia muita insegurança por parte das empresas. “Para este ano prevemos crescimento, já que melhoramos nossos serviços digitais.”

Oceano limpo

Ao decidir empreender, o casal carioca Melissa Granado, 28 anos, e Raphael Almeida, 31, tinha como prioridade servir a um propósito ambiental. A opção foi por uma marca de biquínis feitos com tecidos tecnológicos e biodegradáveis — a Levh, fundada em 2019. “Um dos tecidos que utilizamos é o Econyl®, feito a partir de náilon regenerado, proveniente de redes de pesca recuperadas do fundo dos oceanos e de aterros sanitários”, diz Melissa.

Como os dois sócios praticam surfe, ficaram sabendo que o americano Kelly Slater havia lançado uma marca de roupas com esse material. A identificação foi imediata. Eles entraram em contato com a fabricante na Itália e passaram a importar o Econyl®, presente na maioria dos seus biquínis — há outras linhas, feitas com tecidos biodegradáveis. As peças são vendidas no e-commerce da marca. “A produção de náilon regenerado não depende da extração de petróleo. Pos isso, estima-se que, para cada 10 mil toneladas de Econyl®, 70 mil barris deixam de ser extraídos”, diz Raphael.

A retirada do náilon dos oceanos também ajuda na regeneração do ecossistema. “Em 2019, colaboramos para a recuperação de 57,2 toneladas de redes de pesca, salvando inúmeras vidas marinhas”, diz Melissa. Com os tecidos biodegradáveis, que se decompõem em até três anos nos aterros sanitários, ganha-se 50 vezes mais velocidade no processo. No ano passado, apesar da pandemia, a Levh ficou sem estoque de várias peças. Este ano, a expectativa é crescer cinco vezes, graças a duas parcerias já acertadas com grifes importantes (eles não revelam os nomes). O que pode ajudar ainda mais a natureza, já que 1% das vendas é destinado às ONGs SOS Amazônia e Ecosurf.

Tecido ecológico

Uma das maiores fabricantes de tecidos sustentáveis do país, a EcoSimple, de São Paulo (SP), começou com uma proposta totalmente diferente. A princípio, era apenas uma consultoria para indústrias têxteis. Depois, passou a produzir também matéria-prima para terceiros. Por fim, em 2010, resolveu se dedicar apenas a tecidos sustentáveis.

“Queríamos realizar algo que fizesse diferença para o planeta e deixar um mundo melhor para os nossos filhos”, diz Claudio Rocha, 50 anos, cofundador da EcoSimple ao lado da sócia Marisa Ferragutt, 48. “Na época, não se falava muito em sustentabilidade na moda. Fomos pioneiros nesse segmento”, diz Rocha. A estreia foi em um desfile do estilista Alexandre Herchcovitch, que usou tecidos da marca em coleção exibida na São Paulo Fashion Week.

De lá para cá, a empresa cresceu e se tornou referência quando se fala em tecido sustentável — não só para moda, mas também para decoração. Para fabricar o material, eles trabalham com reaproveitamento de garrafas PET, roupas usadas, resíduos de processos têxteis e fiações e aparas descartadas de confecções. Ao mesmo tempo, ajudam comunidades de baixa renda, que fazem a separação dos retalhos manualmente.

Os tecidos ecológicos são fabricados sem uso de água, corantes ou outros produtos químicos. “Ao todo, produzimos cerca de 50 toneladas por mês”, conta Claudio Rocha. A empresa conta com certificados relevantes como BCorp (averigua padrões de transparência, responsabilidade e desempenho das empresas B), Peta (para produtos veganos e cruelty free) e Ecocert (para orgânicos). Segundo Claudio Rocha, o volume produzido pela empresa evita que 600 toneladas de resíduos têxteis sejam jogadas em aterros sanitários a cada ano.

FONTE: REVISTA PEGN

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